Necessidade e prazer


Então é sábado. O dia está lindo e seus amigos planejam dezenas de atividades diferentes para o fim de semana: ir ao parque, fazer uma trilha, almoçar fora, ir a um show, viajar, ir à casa de alguém ou ao cinema. Você, por outro lado, só quer mesmo é o contato macio com o seu pijama e assistir sua série favorita e alguns filmes por dois dias seguidos.

Você inventa desculpas para não atender a nenhum dos eventos sociais “imperdíveis” e durante todo o dia as notificações no celular tornam-se intensas com tantas postagens novas de cada uma das atividades que você se recusou a ir. Você olha as fotos e por alguns segundos pensa se não deveria ter ido, mas agora já foi e você se aconchega entre as almofadas novamente.

Os dois dias de sossego e tranquilidade terminam e você volta às tarefas do dia a dia sentindo saudades do conforto do seu sofá. Nos próximos cinco dias, o despertador toca todos os dias no mesmo horário seguido da rotina matinal (que você muitas vezes faz literalmente de olhos até fechado), do trajeto ao trabalho, dos rostos familiares e até a comida parece sempre a mesma.

Quando o próximo fim de semana bate à sua porta, é como se correntes se desprendessem do seu tornozelo. Finalmente, você está livre para decidir o que fazer nas próximas 48 horas da sua vida. Não precisa espremer as suas atividades pessoais entre antes ou depois do trabalho nem correr na farmácia, no supermercado ou na papelaria na hora do almoço. E, só de rebeldia, você leva café da manhã na cama, tira um cochilo em seguida e toma banho ás três da tarde. Simplesmente porque você pode!

E, apesar de toda esta liberdade, você de novo escolhe o conforto das roupas largas, de cozinhar a comida mais prática (ou até pedir uma pizza para facilitar ainda mais) e passar os dias mergulhada em livros, música, filmes com direito a chorar naquela cena romântica ou dançar sozinha na sala ao som da sua banda favorita.

Entre uma atividade e outra, você confere o que está acontecendo no mundo pela tela de 5 polegadas do seu celular. Sim, incrivelmente, tudo o que você precisa saber cabe em uma tela tão pequena. Você rola a página principal de algumas das redes sociais e não vê nada de novo. Fotos de animais de estimação, selfies, comida, viagem, conquistas esportivas, delírios políticos repetitivos e por aí vai. De novo, você sente aquela pequena vontade de sair de casa, dar uma corrida no parque ou até de ligar para uma amiga, mas... ahhhhh, deixa pra lá. E volta para o seu preservado — e muito mais feliz — mundinho rico em cores, sabores, sons e fantasia.

Aos poucos, os finais de semana se tornam o seu refúgio da distração do mundo exterior. São simplesmente pessoas demais, sons demais, cores, cheiros, lugares, vozes, assuntos... tudo parece excessivamente desgastante e o isolamento social não soa mais tão assustador quanto a poluição visual e sonora que o mundo moderno tem produzido o tempo todo.

Você desativa todas as notificações no celular e o acesso às suas redes sociais diminui. Mesmo durante o trajeto de vinte minutos para o trabalho, você prefere ouvir suas músicas favoritas ou ler os capítulos finais daquele livro que a faz chorar no trem (e você nem se importa porque sabe que ninguém irá notar, de qualquer forma). Algumas vezes, você apenas olha pela janela do trem contemplando a paisagem passar como um borrão como uma transição de um mundo ao outro.

Os seus colegas de trabalho também não notam que você anda mais introspectiva porque, na verdade, você ainda gosta de conversar com eles, de dar “bom dia” com um largo sorriso no rosto, de rir de uma piada e de fazer os outros rirem também. Eles até dizem que você está mais bonita e leve e perguntam quem é o sortudo. Você ri e tenta explicar que ninguém precisa de alguém para ser feliz. Apesar do que dizem sobre o Homem ser um ser social, você encontrou a paz e a felicidade na simplicidade da vida cotidiana; na ponta do lápis de desenho, no toque dos teclados no dedo, no aroma da cebola fritando na panela, na música, na literatura, no vento frio no rosto quando você sai para uma caminhada, em um telefonema inesperado de uma amiga.

É quando você se pergunta se, na verdade, isso tudo apenas lhe diz que você está ficando velha pois você se lembra de quando sentia vontade de sair e dançar, de compartilhar a sua alegria e energia com as pessoas ao seu redor, de cuidar da aparência como se fosse seu único cartão de visitas. E aí você sorri sabendo que não tem nada a ver com idade, seja ela física ou mental, mas com necessidade.

Hoje, você não precisa de nada além do que já tem e se você também está mesmo nesta fase, aproveite sem culpa e sem moderação porque, não precisar de nada é um privilégio de poucos. Faça o que lhe dá prazer, mesmo que isso pareça idiota aos olhos dos outros. 

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